Cicatrização de feridas: a importância da nutrição neste processo

A nutrição é essencial para a vida. Todas as funções vitais, assim como o crescimento e o desenvolvimento intelectual, dependem de aporte adequado de nutrientes.

O papel da nutrição é ainda mais relevante em situações patológicas, como as relacionadas com o processo de cicatrização de qualquer tipo de ferida, seja aguda ou crônica.

A cicatrização é um processo complexo, influenciado pela coexistência de vários fatores de risco que podem interferir tanto na condição clínica do indivíduo como no próprio processo cicatricial.

Desses fatores, destacam-se a desnutrição, a presença de enfermidades como câncer, diabetes e as doenças cardiovasculares, além do tabagismo e do uso de corticosteróides.

Independente do órgão ou do tecido afetado pela lesão, o organismo depende de substratos para que haja adequada cicatrização e isso é conhecido há séculos.

Tipos de feridas na cicatrização de feridas:

As feridas são classificadas de acordo com o tempo de evolução em agudas ou crônicas. As agudas, em geral, apresentam cicatrização rápida, entre 5 e 10 dias, ainda que possam, em alguns casos, demorar mais, e são marcadas por processo cicatricial organizado.

Fazem parte desse grupo as feridas cirúrgicas e as decorrentes de acidentes com instrumentos cortantes, fogo etc.

Por outro lado, as feridas crônicas são aquelas cuja cicatrização extrapola o período de 30 dias, essas são caracterizadas por estrutura desorganizada, com efeitos adversos, tais como alterações estéticas importantes e funcionais, por exemplo. Esse tipo de ferida é comumente associado com doenças vasculares e diabetes.

Independente do tipo de ferida, o estado nutricional do indivíduo influencia a capacidade e a qualidade da cicatrização. Como você sabe, enfermos desnutridos têm maior probabilidade de incidência de suturas após operações, incluindo o risco aumentado de fístulas digestivas.

Por outro lado, em pacientes com feridas crônicas, a coexistência com desnutrição é alta e, no Brasil, a prevalência de lesões por pressão em pacientes hospitalizados desnutrido foi de 30,1 % versus 2,2% entre os enfermos nutridos.

Organização tecidual, feridas e nutrição na cicatrização de feridas:

Os trilhões de células do corpo humano são organizadas em quatro tecidos: epitelial, conjuntivo, muscular e neuronal, que formam os sistemas e órgãos. A homeostasia tecidual é o balanço entre a produção e a destruição celular, seja por morte ou apoptose.

Qualquer lesão (térmica, física, química, mecânica ou por doença) resultará em dano tecidual – a ferida – que por sua vez causa a resposta sistêmica, denominada resposta orgânica ao trauma, cuja magnitude é diretamente associada à gravidade da lesão.

Objetivo da resposta é restaurar a homeostase sistêmica (em especial, em grandes traumas) e local, de forma rápida e eficaz, reparando ou substituindo as células danificadas – a cicatrização.

O tratamento adequado das feridas envolve o papel da proteína em todo o processo de cicatrização, desde a fase inflamatória até a fase de remodelação. As proteínas são utilizadas como substrato e também como mediadores inflamatórios (enzimas proteolíticas, citocinas, neuropeptídeos) de todo o processo.

A depleção de proteína prolonga o tempo da fase inflamatória, inibe a proliferação fibroblástica, a angiogênese, diminui a síntese e deposição de colágeno e proteoglicanos, reduz a força tênsil da ferida condicionada a capacidade fagocítica dos leucócitos e a resposta imune inibe a remodelação da ferida.

O processo de cicatrização é dividido em três grandes fases:

  1. homeostasia inflamação;
  2. proliferação e;
  3. maturação ou remodelação.

A cicatrização adequada é uma sequência de processos que integram as três fases e se sobrepõem. Circunstâncias adversas como, por exemplo, desnutrição, interferem nos componentes essenciais das várias fases e, logo, impactam no sucesso da cicatrização.

Na fase de inflamação, a formação do coágulo, que é etapa fundamental para interromper o sangramento, também é o estímulo inicial para a cascata inflamatória e depende de vitamina K ainda nesta etapa, a quimiotaxia de neutrófilos, assim como a participação de macrófagos e linfócitos, dependem de fatores de crescimento como o TGF-B e várias citocinas, como fator de necrose tumoral.

Todos tem direta relação com a produção de óxido nítrico, um subproduto da arginina, aminoácido não essencial que passa a ter papel de extrema relevância nestas circunstâncias.

A segunda fase, de proliferação, inicia-se entre o terceiro e o quinto dia após a lesão. As células predominantes são os fibroblastos e a grande formação de novos vasos (neoangiogênese), objetivando facilitar a chegada de oxigênio e de nutrientes e, essencialmente proteínas, que são a sustentação para a terceira e última fase, a de maturação.

Os fibroblastos ativados sintetizam a matriz cicatricial por meio de deposição de colágeno, inicialmente tipo III e, posteriormente, tipo I.

A produção de colágeno depende especialmente do aminoácido prolina e da hidroxilação de lisina, assim como da presença de vitaminas A, C e E, e de oligoelementos como zinco e selênio.

A maturação normalmente inicia-se entre o sétimo e o oitavo dia pós-trauma, se estende por 15 dias, mas pode durar até um ou dois anos. a cicatriz definitiva adquire a força tênsil por meio da deposição e organização do colágeno tipo 1, mas nunca recupera totalmente integridade de força.

Para eficaz produção de colágeno, e de disponibilidade de proteínas é importante em especial prolina e arginina parecem ter efeito benéfico.

Terapia nutricional e feridas:

Indivíduos em risco nutricional ou com desnutrição manual, terapia nutricional adequada e de preferência individualizada para garantir o processo de cicatrização.

Ressalta-se que entre indivíduos com doenças crônicas o risco de desnutrição é mais elevado e, assim, exige cuidados precoces, tentando prevenção de lesões por pressão ao invés de terapêutica das mesmas, porque está associado a melhores índices de qualidade de vida.

A oferta de energia deverá atender as necessidades nutricionais calculadas, que variam entre 25 e 30 kcal/Kg/dia de peso atual, contemplando a quantidade de proteínas entre 1,0 e 1,5 g por quilo de peso e micronutrientes, principalmente zinco e selênio, vitaminas A, C, D e E.

A determinação exata da quantidade calórica e proteica depende da condição clínica do enfermo. Para tal, consideram-se a presença de doenças associadas, como diabetes insuficiência renal ponto dois aminoácidos não essenciais e, como arginina e prolina, tem relevante papel na cicatrização de ferida uma vez que são precursores de substratos fundamentais, como óxido nítrico e colágeno.

Conclusão:

Nutrição e cicatrização têm relação direta. Assim, um adequado estado nutricional facilita o processo cicatricial enquanto a desnutrição impacta negativamente na cicatrização, perpetuando um ciclo vicioso que é associado à maior morbimortalidade, tempo de internação prolongado, taxas superiores de reintegração hospitalar, custos mais altos e pior qualidade de vida para os enfermos.

Indicar terapia nutricional para pacientes com elevado risco nutricional ou jades nutridos, em particular avaliando fórmulas completas e contendo nutrientes essenciais na cascata de cicatrização, como arginina, prolina e micronutrientes em dose maior, parece ser a melhor opção.

Referências:

  1. MANDELBAUM, S. H.; SANTIS, E. P. D.; MANDELBAUM, M. S.. Cicatrização: Conceitos atuais e recursos auxiliares -Parte I. In: Anais Brasileiros de  Dermatologia, Educação Medica Continuada, Rio de Janeiro, 78(4): 393- 410jul./ago.2003.

Disponível :<http://www.scielo.br/pdf/abd/v78n5/17545. pdf>.

  1.   BLANES, L. Tratamento de feridas. Baptista-Silva JCC, editor. Cirurgia vascular: Guia ilustrado. São Paulo: 2004.

Disponível em:<http://www. bapbaptista.com>.

  1.   TAZIMA, M.F.G.S., YAMVA, Vicente, MORIYA, M.. Biologia da ferida e cicatrização. Ribeirão Preto:2008; 41 (3): 259-64.

Disponível em:<http://www. revistas.usp.br/rmrp/article/view/271/272>.

  1.   SILVA, Roberto C. Lyra; FIGUEIREDO, Nébia M. Almeida; MEIRELES, Isabella B. Feridas: fundamentos e atualizações em enfermagem. 2 ed. São Caetano do Sul-SP: Yendis Editora, 2007.
  2.   BLANCK, Mara. Cuidados perilesionais e aspectos nutricionais no tratamento das lesões. Módulo 4, curso de feridas. Revista Enfermagem Atual, São Paulo, ano 9, n. 52, p. 6-12, Jul-Ag, 2009.
  3.   Ballesteros-Pomar, M. (2015). Wound risk and prevention in obesity: The role of nutrition. EWMA Journal, 15(1): 71-74. Disponível em: https://nanopdf.com/download/wound-risk-and-prevention-in-obesity-the-role-of-nutrition_pdf
  4.   Campos, S., Chagas, Â., Costa, A., França, R. & Jasen, A. (2010). Fatores associados ao desenvolvimento de úlceras de pressão: o impacto da nutrição. Revista de Nutrição, 23(5): 703-714. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-52732010000500002
  5.   Correia, N., Cruz, R. & Silva, R. (2020). Viabilidade Tecidular e Tratamento de Feridas. In Pinho, J., Enfermagem em Cuidados Intensivos (1ª edição, pp. 188-196). Lisboa: Lidel.
  1.   Oliveira, K., Haack, A. & Fortes, R. (2017). Terapia nutricional na lesão por pressão: revisão sistemática. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 20(4): 567-575. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562017020.160195
  2.   Porritt K, McArthur A, Lockwood C, Munn Z (Editors). JBI Handbook for Evidence Implementation. JBI, 2020. Available from: https://implementationmanual.jbi.global. https://doi.org/10.46658/JBIMEI-20-01
  3.   Rabess, C. (2015). Understanding the link between wound care and nutrition. Journal of Community Nursing, 29(4): 60-65. Disponivel em: https://static1.squarespace.com/static/58ecdbfc1b631b84dc3237ed/t/58f0f8f244024397 c4f06ab5/1492187382614/Nutrition+%281%29.pdf
  4.   ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. Tradução de Ana Latícia Souza Vanz. Et al. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
  5.   DIAS, C. A. M. S. V. Nutrição e cicatrização de feridas: Suplementação nutricional?/Dissertação de mestrado. Porto: Faculdade de Ciências de Nutrição e Alimentação, Universidade do Porto. v. 0, n. 0, p. 1-61, 2009.
  6.   FERNANDES, A.T.; RIBEIRO, N. F. Infecção em queimados. In: FERNANDES, A.T., editor. Infecção hospitalar e suas interfaces na área da saúde. v. 0, n. 0, p. 657- 69, 2000.
  7.   HALL KL, SHAHROKHI S, JESCHKE MG. Enteral nutrition support in burn care: a review of current recommendations as instituted in the Ross Tilley Burn Centre. Nutrients. v. 4, n. 0, p. 1554- 1565, 2012.
  8.   LEÃO, C. E. G. et al. Brasileira Cirurgia Plástica, São Paulo, v. 26, n. 4, p. 573-577, 2011. MCRAE, M. P. Therapeutic Benefits of l-Arginine: An Umbrella Review of Meta-analyses. J Chiropr Medicina. v. 15, n. 4, p. 184-189, 2016.
  9.   OLIVEIRA, S.M. et al. Complicações gastrointestinais e adequação calórico protéica de pacientes em uso de nutrição enteral em uma unidade de terapia intensiva. Revista Brasileira Terapia Intensiva, v. 22, n. 3, p. 270-273, 2010.
  10. ROSINA, K. T. DE C.; DA COSTA, C. L. Uso de terapia nutricional imunomoduladora em pacientes politraumatizados: uma revisão da literatura/use of immunomodulation nutritional therapy in polytrauma patientes: a literature review. Nutrição & Saúde. v. 5, n. 2, p. 89-100, ago. 2011. ISSN 1981-0881.
Avatar photo
Dr. Ulbiramar Correia

Ortopedista especialista em joelho [CRM/GO: 11552 | SBOT: 12166 | RQE: 7240]. Membro titular da SBCJ (sociedade brasileira de cirurgia do joelho), SBRATE (sociedade brasileira de artroscopia e trauma esportivo) e da SBOT(sociedade brasileira de ortopedia e traumatologia).